A probabilidade de uma pessoa com apneia obstrutiva do sono (AOS) ter manifestado gagueira na infância é quase 8 vezes maior do que na população geral, revelou um estudo desenvolvido em 2002 por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA). A ocorrência de danos cerebrais precoces pode ser a chave para entender esta ligação. A associação frequente entre gagueira e AOS fornece um dado clínico que pode melhorar a compreensão das causas subjacentes a ambos os distúrbios e também expandir o conjunto de inter-relações da AOS com outros transtornos fonoaudiológicos.
No estudo da UCLA, exames de neuroimagem de alta resolução mostraram que pacientes com AOS apresentam perda neuronal em regiões do cérebro que regulam a respiração e a fala. Os pesquisadores também descobriram que quase 40% dos pacientes do grupo teste relataram ter manifestado gagueira na infância, em comparação com uma média de apenas 5% da população geral, o que sugere a existência de um possível elo biológico entre as duas condições.
Conexões desordenadas
“Por décadas, colocamos a culpa pela apneia do sono apenas em um estreitamento das vias aéreas causado pelo aumento das amígdalas, por uma mandíbula pequena ou por excesso de gordura na garganta”, diz Ronald Harper, um dos coordenadores da pesquisa. “Mas nossos resultados mostram que os pacientes com apneia do sono também apresentam conexões desordenadas em regiões do cérebro que controlam os músculos das vias aéreas. Estas falhas neurais podem desencadear uma síndrome respiratória precoce, que é então agravada por uma via aérea estreita.”
Outra hipótese plausível seria que a própria apneia atuaria como fator causal e agravante do dano cerebral ao longo da vida, o que estaria de acordo com outros estudos que mostraram indícios de danos no cérebro causados pelo estresse oxidativo decorrente da apneia em crianças, sugerindo, portanto, que o distúrbio pode induzir perda neuronal e problemas cognitivos no longo prazo.
De forma mais visível, a apneia obstrutiva do sono costuma provocar um ronco muito barulhento e uma excessiva sonolência diurna. Os pacientes podem acordar dezenas de vezes durante a noite por causa do relaxamento excessivo dos músculos da boca e garganta, que chegam a obstruir completamente as vias aéreas. Eles então têm de acordar repetidamente para retomar a respiração interrompida, o que resulta numa qualidade de sono muito ruim e, consequentemente, em prejuízos cumulativos no equilíbrio do ritmo circadiano, na maturação neural e na fisiologia do cérebro.
Dificuldades de fala e perda de oxigênio
Entre as áreas cerebrais que frequentemente apresentam déficit estrutural em pessoas com apneia obstrutiva do sono (AOS) está o córtex frontal ventral esquerdo (região circundada em amarelo no quadro superior direito). Esta é uma área do cérebro reconhecidamente envolvida na mediação de componentes da fala expressiva. Presume-se que seja esta a principal razão por trás da alta incidência de gagueira entre pessoas com AOS.
A equipe de Harper usou ressonância magnética para comparar os cérebros de 21 homens com apneia obstrutiva do sono e 21 homens saudáveis. Os exames dos pacientes com apneia revelaram déficits em várias regiões do cérebro ligadas à produção da fala e movimento, incluindo o córtex frontal e o cerebelo.
Essas regiões eram cerca de 2 a 18% menores nos pacientes com apneia, e a quantidade de danos cerebrais estava diretamente correlacionada com a severidade da doença. Por meio de anamneses, a equipe também descobriu que 8 dos 21 pacientes haviam manifestado gagueira quando criança e que alguns ainda tinham dificuldades de fala.
“Nossos resultados sugerem que a apneia obstrutiva do sono é uma condição de base neurológica – conexões anormais em regiões específicas do cérebro na infância contribuem para o aparecimento da doença na vida adulta”, diz o membro da equipe Dr. Paul Macey.
Os pesquisadores também observaram que os pacientes com apneia do sono mostraram dificuldades em algumas habilidades motoras, de memória e pensamento. “A perda recorrente de oxigênio causada pelos episódios de apneia pode danificar outras estruturas do cérebro que regulam a memória e o pensamento, além do movimento”, sugere Harper. Pessoas com apneia do sono também têm risco aumentado de hipertensão arterial, acidente vascular cerebral e outros problemas relacionados ao coração.
Usando a gagueira para prognosticar o risco de apneia
Os médicos agora veem a possibilidade de usar a gagueira infantil como um preditor do risco de apneia na idade adulta. “Problemas de fala podem se tornar uma importante informação no diagnóstico, avaliação e tratamento da apneia do sono”, disse Macey. “No futuro, os médicos poderão monitorar certas estruturas cerebrais e examinar as crianças para problemas motores e de fala que podem prognosticar o risco de apneia.”
“Considerando que muitos pacientes com AOS enfrentaram dificuldades de fala na infância e que uma região importante de controle da fala em seus cérebros revelou perda significativa de matéria cinzenta, é muito provável que este dano cerebral tenha começado a surgir cedo na vida”, disse Macey. O próximo passo será examinar as estruturas cerebrais de crianças que sofrem de apneia obstrutiva do sono, mas que ainda não conviveram com a doença tempo suficiente para desenvolver os danos cerebrais verificados em adultos.
Embora existam danos cerebrais subjacentes ao processo de cronificação da apneia obstrutiva do sono, intervenções fonoaudiológicas ou cirúrgicas na boca, garganta e vias aéreas ainda podem ajudar a minimizar o problema em alguns pacientes, afirmam os médicos.
Fonte: NewScientist
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